Historia de Sesimbra





As origens de Sesimbra perderam-se nas memórias dos homens. Várias teses têm sido apresentadas sem que ainda se tivesse chegado a uma conclusão unânime. Uns falam de uma Zambra romana, outros de uma Sesimbrig celta e alguns, ainda, de uma Zimbra celtibera. Ao certo, encontraram-se vestígios de povoamento pré- histórico, restos que talvez possam atribuir-se a civilizações celtas ou pré-celtas, e abundantes documentos romanos e árabes, como moedas, cerâmica, túmulos, lápides, etc.

A existência do castelo está intimamente ligada á história dos primeiros tempos da nacionalidade Portuguesa. Conquistado em 1165 por D. Afonso Henriques, foi abandonado pouco depois pelos primeiros povoadores cristãos, dado que os mouros de Alcácer do Sal (uma das mais fortes e bem providas praças muçulmanas de então) investiram contra aquele reduto recém-conquistado pelas hostes do nosso primeiro rei. E em mãos árabes esteve até 1200, ano em que D.Sancho I a reconquistou definitivamente, auxiliado pelos cruzados francos de passagem para a terra Santa.

Como sempre, quando a história não responde ás origens de um povoado, a lenda vem em seu auxíli, suprindo essa falha. Tal é, também, o caso da antiquíssima Sesimbra, cuja origem do nome é perpetuada por uma velha tradição passada de geração em geração.

Diz-se que, nessa época, já aquela região era terra de pescadores, se bem que o castelo ainda não existisse e a população abitasse o lato do monte onde mais tarde se construiria a fortaleza.

Era senhor daquelas terras um homem tirânico que de todos exigia vassalagem. Era ele quem concedia as autorizações de pesca, sem as quais nenhum homem poderia partir para o mar, nem sequer para pescar o sustento da sua mesa. Além disso, cobrava tributos sobre o pescado, sobres os barcos e sobre tudo quanto entendesse. Alguns dos tributos eram desumanos e foi isso que o perdeu.

Um desses tributos, velho hábito ancestral, obrigava todas as ddonzelas que iam casar a serem possuídas pelo tirano na v´spera do matrimónio.

Homens e mulheres sofriam por este gesto que o custume e o medo haviam quase legitimado, mas ninguém ousava rebelar-se contra o tirânico senhor.

Certo dia, porém, Zimbra e Maria decidiram casar-se. Zimbra era pescador, como todos os outros, e era jovem e ousado. Maria era mulher, fiha da mesma teraa, vítima silenciosa que seria do mesmo costume opressor.

Como sempre acontecia nestes casos, desceu-lhes ao pensamento a obrigação de vida ao senhor da terra. Maria dispôs-se a aceitar fatalmente, o tributo da sua virgindade. Zimbra, contudo, não estava disposto a aceitar mudo e quedo aquela exigência que nada fundamentava ou legitimava. E, assim, dispôs-se ele a desafiar o estabelecido e aceite no mais íntimo dos seus conterrâneos.

Todos, e também Maria, o aconselharam a não lutar contra os desejos do velho tirano. Zimbra não deu ouvidos a ninguém, decidido como estava a que não acontecesse a Maria o mesmo que ás outras raparigas. E até ao fim ignorou os castigos que podiam esperá-lo naquela aventura.

Inicialmente só na sua determinação, conforme se foi aproximando o casamento, Zimbra foi sendo rodeado e apoiado pelos outros jovens pescadores da aldeia. Tiveram discussões quase intermináveis sobre o que lhes aconteceria quando o tirano viesse a sentir desautorizado. Mas Zimbra cansou-se daquela conversa vazia, só cheia de medos, e pôs cobro ás discussões apresentando o seu plano: desceriam até á borda do mar e aí se estabeleceriam num povoado autónomo e livre de toda a tirania.

Isto pareceu tão simples e razoável a todos os pescadores rebeldes que dissiparam os medos e se entregaram interios á coragem de Zimbra. Tal era a confiança que depositavam no pescador que mal aprovaram o plano de liberdade, como que perderam a vontade própria. E cada vez que se falava no propósito diziam:

― Se Zimbra quiser...

Zimbra quis porque não o visitou o medo. No dia do seu casamento recebeu Maria e partiu monte abaixo até á praia. Com eles desceu um qrupo de casais e a expectativa.

Chegados ao sopé, delimitaram, segundo velhos rituais, os limites da nova aldeia, sacrificando no centro um animal, como lhes haviam ensinado os seu avós, que tinham recebido o ensinamento de outros antepassados. Em seguida, ergueram os pilares das suas novas casas, pobres choupanas de madeira cobertas de ramos de árvores. Tudo isto fizeram manifestando uma alegria toda natural e no final reuniam-se dançando velhas danças que evocavam pescas maravilhosas e esquecidas.

Quando soube disto, o tirano teve uma fúria imparável. Juntou quanta gente pôde e, sequioso de vingança, jurou não parar enquanto não desfizesse todas as esperanças de Zimbra e dos rebeldes.

Mas Zimbra e os habitantes do novo povoado sabiam o que os esperava. A pé firme, como quem espera o embate bruto do mar, esperaram a hoste do senhor. Estavam dispostos a tudo por Zimbra que lhes dera a sua coragem:

- Se Zimbra quiser...

E Zimbra quis, mais uma vez. Quando aquela bruta onde de gente embateu nos seus corpos, resistiram serenos porque tinham o conhecimento íntimo de que a fúria duro um momento. Calmos, desfecharam os seus golpes no inimigo que sobre eles se abatia e num gesto de sabedoria mataram o tirano e todos os seus homens.

Ficaram livres do jugo secular e injustificável dos tiranos da terra. Agora era-lhes

possível fazer do seu povoado uma terra de verdadeiros pescadores:

- Se Zimbra quiser...

E Zimbra, pela terceira e última vez, quis. De tal modo o quis que, muito tempo depois, quando Afonso Henriques conquistou o velho castelo fronteiro ao mar, era Sesimbra que lhe chamavam.